Parte 1 – O Contrato

19h00 em um prostíbulo local.

- É o seguinte. Eu vou te amar por uns dois ou dias. Me entregar por completo, corpo, alma e coração, colocar minha vida em sua mão. Sabe todo aquele papo de sacrifício? Então, é a mesma coisa. Tá me entendendo?

- Sim, mas por que você quer isso?

- Cala a boca e me escuta… Eu preciso te amar como ninguém nunca te amou, preciso chorar em noites solitárias como um bebê a implorar pela sua mãe, preciso olhar a porra do sol nascendo e ver o quão triste é isso, enfim, preciso dessas coisas de sentimento porque ando meio desensibilizado

- Desensibilizado?

- È. sem sentimento..

- Mas como isso é possível?

- Sei lá, acordei em uma manhã abrir a geladeira, tomei um copo de água gelado, sentei-me em frente à televisão e por lá fiquei…Até que, lá pelas tantas da tarde, eu percebi que passei o dia inteiro sem sentir nada. É tedioso. Fui consultar com um médico pensando que isso fosse algum tipo de câncer ou doença grave e ele disse que eu preciso de um terapeuta.

- Terapeuta?!

- Sim… Terapeuta!

- hum… E o que ele disse…

- A coisa mais sensata que eu ouvi a minha vida inteira, ele disse que eu tenho problemas.

- Hhahaha…hilário.

- Não… Não é hilário é coisa séria, porra! Acha que venho aqui suplicando sua rejeição à toa? Eu tô com sérios problemas emocionais do tipo que não ausente de qualquer um e você fica me zuando? vai pra merda!

- Calma… Calminha… Ei, se você não tem sentimentos, então por que está sentindo raiva?

- Não sinto raiva, poetas sem sentimentos não sentem nada, a única coisa que fazem é interpretar as ações, eu te confessei algo sério e você debochou, logicamente, a razão impera em eu te ofender da forma mais crua possível.

- Sim… Sim… Robozinho… Sabia que você parece um poeta robô?!

- Vai pra puta que pariu! Se vai ficar me gozando eu procuro outra que esteja interessada.

- Tá bom, não precisa ofender… Então, o que você quer que eu faça? Chupeta? Anal? Quer que eu me masturbe pra você? Só não goza no cabelo porque acabei de lavar…

- Eu quero que você faça nada. Vou te pagar para me rejeitar. Como eu disse eu vou me entregar de corpo e alma pra você, amar como ninguém jamais te amou, comprar flores as segundas e sextas feiras de manhã, levar seu cachorro para sair, cumprimentar seus avôs, comprar anéis, cordões, brincos, fazer poemas, canções e desenhos, vou te amar e tudo o que deve fazer em troca é só rejeitar.

- Mas…Perai, não entendi, você quer ser rejeitado?

- Sim

- Mas por que?

- Porque é assim o amor. Ora, mesmo você que trabalha com essa profissão de “oferenda do amor” sabe que é assim que as coisas funcionam. Não é um mar de rosas, ou céu encantado, como as princesas sonham. Você sabe. É o mais cruel dos sentimentos, aquele que te tomba cortando-lhes as pernas para que nunca mais se levante, aquela maldito câncer maligno não diagnosticado por nenhum medico, que lentamente, dia por dia, vai te consumindo até você esquecer quem realmente é. Eu preciso disso. Preciso sentir isso.

- Mas isso é insano! E olha que como puta, eu já aceitei grana de sados que adoravam apanhar… Mas isso. Isso nem se compara!

- Todo mundo que ama é insano, mas como vivemos uma utópia fantástica de uma sociedade pseudo-romantica, todo mundo acredita que amar é bonito.

- Mas não é?

- Claro que não. É o ato mais feio que um ser humano pode fazer seu semelhante. Usar-se de sua paixão para usufruir de benefícios egoístas e egocêntricos. Quem ama não questiona, não procura dar razões aos fatos, apenas obedece, se entrega, compadece, perdoa e é rejeitado.

- Tá. Você convenceu… Então você trepar comigo? O que devo fazer então?

- Amanhã você achará poemas escondidos em sua bolsa, receberá ligações de tele-mensangens, ouvirá uma musica na radio dedicada a você, seu nome escrito nas árvores das praças, no fim da noite irei te ligar para gente sair e ai… Você já sabe o que tem que fazer…

- Sim, eu sei…Te rejeitar.

- Isso mesmo…

- Só isso?

- Só…

- E quanto eu ganho mesmo por isso?

- Quanto que é o valor de uma trepada?

- Hum? Vai me pagar o valor de uma trepada que não teve?

- Quem disse que eu não tive? Se o ato da trepada é fuder, você está automaticamente, ao me rejeitar, me fudendo, assim estou pagando, diretamente, de acordo com seus serviços.

- Hhahaha… Ta Bom, sr. poeta. Foi um prazer negociar com você…

- Igualmente…

- Ahh… Antes de ir, como saberei que é você de noite?

- Meu nome…

- E qual é o seu nome?

- Maycon Batestin… Aceite-me assim.

- Não… Senhor Batestin, eu não te aceito!

- Viu, você vai se dar bem nisso!

Parte 2 – Por Telefone

20h00 na residência do poeta.

- Alô?

- Oi!

- Imaginei que fosse você, o quer…

- Você sabe o que quero…

- Vamos poeta! Para com isso! Está sendo ridículo já…Eu sou uma prostituta e você é um poeta, você sabe que isso nunca dará certo!

- Todo poeta é uma puta diante do amor, vende-se fácil a sua musa e enlouquece a súplica da dor. Você sabe disso. Não há diferença entre espécimes, só nos versos, aqueles que dedico a você e aqueles que me manda ao inferno..

- Hum… Ta redescobrindo os sentimentos? Eu senti que isso era raiva?

- Não… Foi só uma improvisação…

- Hum… Então poetas também conseguem improvisar?!

- Oé! Não disse que somos putas diante do amor?! Então, que putas seriamos se não soubéssemos improvisar?

- Não me compare a você, embora sua profissão seja nobre e a minha herege, ao menos eu posso sentir algo, o que me faz mais humana que você.

- Verdade, não sou um humano. Sou poeta.

- Como se fosse coisa boa…

- Costumava ser quando eu sentia as coisas, sabe. Eu olhava para a sua foto 3×4 em minhas palavras eram ouvidas. Sabe a gente começa a escrever acreditando que pode mudar o mundo, quando amadurecemos, percebemos que isso é idiotice, o mundo não quer mudar. Então, a gente torce para que as nossas palavras sejam ouvidas e sentidas por alguém, e eu achei que fosse ela.

- Hum, que dizer que antes de mim, havia ela?

- Sempre houve ela, o que não havia era eu.

- Como assim?

- Ela sempre existiu para mim, mas nunca eu para ela. As rimas, os versos, as palavras eram partes de um coração que entregava a cada poesia a ela, mas ela nunca leu. Ela nunca entendeu, ela nunca sentiu.

- Que triste…

- É a síntese do amor. Diziam os antigos profetas de uma tribo indígena, que ao nascermos nosso espírito se dispersar pelo mundo, e nos tornamos incompletos desde então. Assim, nossa missão, segundo eles, era percorre o mundo em busca desse espírito para que possamos ser completos novamente.

- Hum, e você achava que ela fosse seu espírito?

- Sim…

- Ninguém deve ser espírito de ninguém. Eu sou uma puta, sei muito bem o que estou falando. Não devemos vim ao mundo sendo obrigados a ficar com outro só para completá-lo. Afinal, todos nós somos incompletos por natureza. Alguns buscam no sexo a sua completude, outros fazem poesias, alguns acham que é só dinheiro, a verdade é que jamais estaremos completos, porque somos humanos.

- Desde quando você entende tanto sobre isso?

- Você não é o primeiro cara que me liga altas horas da noite para me falar de outra garota, eu pensei que era sua única…

- Você é ela… Nunca leu… Nunca ouviu e nunca sentiu…

- Mentiroso romântico! Eu sei que não sou ela. Porque se fosse, te rejeitaria, ainda que houvesse me pagado por isso.

- Mas eu realmente te paguei para me rejeitar!

- É, mas digamos que alguém ouviu suas poesias. Alguém cujos ouvidos sejam ímpios e que grande parte do corpo que abomina eles não seja novo. Digamos que, ainda assim, suas palavras alcançaram os tímpanos dela e que, por qualquer que seja a razão, elas foram sentidas.

- E se for verdade que tal alguém exista, o que eu devo fazer?

- Ah poeta…Sou uma puta sentimental, você que é o poeta desensibilizado, o que sua interpretação dos fatos te levam a concluir…

- Levam-me a concluir apenas uma pergunta…

- E qual é?

- Onde você mora?

Parte 3 – O golpe final

22h00 Casa da puta

- Enfim, você chegou. Atrasado, mas chegou!

- Poetas nunca se atrasam, querida, sempre surgem no momento propicio…

- Hum…Mal chegou e já está poetizando! Você é incrível!

- Hum… Que eu posso fazer se você desperta isso em mim…

- Quer dizer que está redescobrindo seus sentimentos…

- Só os mais poéticos…

- Hahahah! Poeta! Que veio fazer aqui?

- Ahh Você já sabe o que eu vim fazer…

- Sim… Eu sei…

- Então…

- Faz uma poesia para mim…

- Como?

- Sim…Quero ouvir uma poesia sua…

- Eu não preciso criar nenhuma poesia, já estou diante da mais linda!

- Ual! Poeta, você é um chavão dos bons!

- É porque nesse momento, qualquer que seja nossa ação é um clichê…

- E que clichê mais patético, não? Um poeta apaixonado por uma puta…

- Ah… Já diziam os filósofos que os poetas são loucos a divagar versos pela praça. Eu ando pelas ruas quase sempre encontro quase nada. Mas eis que há essa puta, que das poesias ouviu minhas palavras, se é loucura adentrar em sua casa, então sou um louco em sua praça.

- Ual! Poeta, hoje você está inspirado!

- É seu corpo nu que aos meus olhos despidos desperta no coração cru um amor perdido.

- Só tem um problema com essas poesias, poeta…

- Ah é?! Que problema?

- Eu não te amo.

- como?

- Eu não te amo…

- Como assim não me ama? Você disse que ouviu minhas palavras.

- Não, poeta! Eu disse digamos que alguém tenha ouvido, era uma suposição.

- Como assim uma suposição? Que você está fazendo?

- Ah poeta, não seja inocente, eu sou uma puta! É meu papel oferecer amor, mas, não é minha obrigação te amar…

- Você não pode fazer isso comigo? Porra! Sua Puta! Sua viada! Cachorra! Eu vim de longe para isso?

- Eu nem te convidei a vim…

- Você falou o seu endereço para mim…

- Porque me perguntou, mas não me pediu permissão para vim.

- Droga, sua puta! Cachorra! Filha da puta!

- Sim eu sei que sou. Sou a mais ou menos 8 anos.

- Droga, eu acreditei! desgraçada, você não sabe o quão era importante para mim…

- Não me venha com essa Você pode ser o poeta, mas não sabe porra nenhuma sobre o amor.

- Ah vai pra merda!

- Caro poeta, quem é você para depositar sua esperança de uma vida perfeita em uma puta? não faça de mim, nem de ninguém, o seu refúgio da realidade.

- E quem é você para achar que sabe o que é realidade? Sua realidade se resume a gozadas, as minhas ao menos têm sentimentos.

- E quem disse que gozar não tem sentimentos? Sou uma receptora constante de sentimentos, e talvez, seja mais do que você, poeta desensibilizado.

- Vai se fuder! Vou para casa! Não quero mais falar com você!

- Tudo bem, então, são 800 reais.

- 800 reais pelo que?

- Por quebrar seu coração…

- Acha que eu vou te pagar por isso? Quem é você para me cobrar isso?

- Oê, poeta?! Esqueceu o acordo?

- Que acordo?

- Você me pagou para te rejeitar

- Ah…isso! Então nunca foi real?

- O que você achava? Eu sou uma puta, esqueceu?

- É, toma seus 800 contos agora some!

- Obrigado, poeta! Foi um prazer te fuder!

- Há Há Há! Realmente você é uma puta!

- Sim, eu sou… E você é um poeta. Um poeta, agora com sentimentos!

Fim.
Autor: .

(Eu li este texto magnífico quando estava em minhas pelejas pela net, a minha identificação com ele foi quase instantânea, quando o li achei que tivesse sido feito para mim, principalmente por causa de minhas "recentes aventuras". É um texto maravilhoso e por esta razão não tinha como eu não postá-lo em meu blog, se o autor por acaso vier a lê-lo aqui, por favor, me perdoe por copiá-lo sem a sua permissão e ao mesmo tempo aceite meu carinho e admiração, já que você agora encontrou um grande fã de sua arte. Meus parabéns. Espero que vocês gostem tanto dele quando eu gostei, um grande abraço, Ciro Rafael)