Impaciente acende mais um cigarro enquanto olha mais uma vez para o relógio que a esta altura já marcam as 10:30 daquela quente noite no fim de fevereiro.
-Onde diabos ele deve estar? Isto é um absurdo, já tem quarenta minutos e nenhuma notícia, só pode estar curtindo com minha cara.
Resmungando enquanto enche mais uma dose de seu fino uísque 18 anos. Do nada, o som de uma porta batendo rompe o silêncio que imperava na escura sala, seguidos do som de passos corridos em direção a mesa posta ao centro.
- Mas que cara é essa?
- Ainda tem coragem de me perguntar?
- Ah, qual é? Eu não demorei tanto assim, foram o que? Uns dez minutos?
- Tá curtindo com minha cara? Tem quase uma hora que estou com o rabo nesta cadeira esperando.
- Nossa, tudo isso? Sabe como são as mulheres sempre acham alguma coisa que pode estar fora do lugar, sem contar com as inúmeras trocas de roupas, essas então parecem não ter fim.
- Você vem falar isso para mim? Só de mulheres eu tenho duas.
- Você ainda se encontra com a Cláudia?
- E como é que eu agüentaria deitar com aquela vaca se eu não tivesse uma filial?
Nesta hora uma grande gargalha toma conta quebrando o tenso clima que antes se estabeleceu no local.
- Então, eu estou tão atrasado assim?
- O bastante para me irritar, mas não para continuarmos o que interessa. Puxa logo essa cadeira e senta antes que eu me arrependa.
- Com certeza você vai ficar mais alegrinho depois que ver o que eu trouxe para degustarmos.
Puxando um pequeno pacote de seu bolso, atira-o em contra o peito tendo que fazer um rápido movimento para apará-lo antes de cair ao chão. Ao analisar o conteúdo do misterioso um grande sorriso se abre estampando como em um grande cartaz a sua satisfação.
- Meu garoto, agora sim, é disso que eu to falando.
- Eu sabia que você ia gostar. Tá esperando o que? Pega logo esse prato rapaz e começa logo a servir essa porra.
- Calma, já esperei tanto, um pouco mais não me fará mal.
Mais uma vez a gargalhada é trilha sonora da conversa.
- Às vezes acho que você gosta de sofrer.
- Às vezes eu também. Meu Deus, trinta anos, nem eu acredito, trinta anos, é como viver no próprio inferno.
- Que isso você exagera demais, às vezes até que ela é legal.
- Ah qual é? Vai começar a debochar? Você melhor que ninguém sabe o que vivo. Todos os dias acordar vendo o rosto daquela jararaca e abrir um sorriso quanto a minha vontade meter uma bala bem no meio daquela cara enrugada.
- Ainda bem que tem a Cláudia...
- Ahhhh, minha doce, linda, gostosa e safada Cláudia, já perdi as contas de quantas viagens de negócios, cursos de especialização, visitas a fornecedores e tantas outras já tive que inventar somente para passar mais um tempinho com ela, e meu garoto, cada segundo vale a pena, aquela garota tem um vulcão no meio das pernas, depois de meia hora com ela eu nem consigo andar direito...
Nesta hora ele devolve o pacote, que rapidamente é aberto e despejando todo o seu conteúdo sobre o prato quente encostado ao canto da mesa. Enquanto isto, mais uma dose é virada, molhando a seca garganta para recomeçar a conversa.
- Se não fosse por ela eu acho que já tinha pirado, ela me faz sentir com vinte anos de novo, me sinto vivo de novo, meu peito volta a bater como antes, e sinto uma felicidade na pouca uma hora de almoço que passo com ela do que toda a vida miserável ao lado daquela maldita.
- E por diabos você ainda está com ela?
- A desgraçada fez um bom pacto pré-nupcial, se eu pedir o divórcio, saio dessa merda sem porra nenhuma só com uma mão na frente e outra atrás.
- Puta que pariu.
- Você queria que eu fizesse o que? Ou era isso ou continuar na pindaíba, só que eu nunca imaginei que essa vaca viveria tanto. Porra, só pode ser castigo, onde que eu ia imaginar que ela ainda ia viver tanto? Eu achei que ela não ia durar três anos e lá se foi metade de minha vida.
Baixando a cabeça, apoiando-a sobre as mãos com a pura finalidade de tentar esconder as lágrimas que escorriam pelo rosto.
- Trinta anos, cara, se eu tivesse preso eu tava saindo hoje da cadeia, entretanto parece que to cumprindo prisão perpétua. Eu acabei com toda minha juventude ao lado dela, agora nem posso agarrar uma mulher sem ter que pagar algo, é sempre uma roupa, uma jóia, ou qualquer outro presente caro, você acha que eu não sei que a Cláudia só está comigo por interesse? Fala sério cara, quem é a garota que vai querer ficar com um velho de cinqüenta nos senão por interesse, ainda assim, eu não posso viver sem ela, dou qualquer coisa só para ficar mais um minuto com ela.
- Qual é cara? Agüenta mais um pouco, depois de todo esse trabalho você não pode entrar em desespero. Quanto tempo mais essa velha ainda vai viver? Ela já tem noventa anos.
- Se duvidar ela vai enterrar nós dois.
- Eu não, não tenho nada haver com isso.
- É desgraçado, debocha mesmo da minha cara, as coisas já não estão tão ruins assim não é?
- Que milagre é ela ainda não te ligou?
- Eu desliguei o celular, quer apostar quinhentão como se eu ligar agora ela não demora nem dois minutos para ligar?
Pegando o celular nas mãos, ele liga o aparelho que imediatamente começa soar o ensurdecedor barulho de uma sirene, o toque personalizado para as ligações de sua esposa.
- Não falei? Não precisou nem de dois minutos, pode pagar safado.
- Eu não apostei nada.
- Quem cala consente, pode passar a grana.
- Eu vou passar, mas é coisa melhor dá um teco aqui que eu tenho certeza que você vai se sentir bem melhor, mas pelo amor de Deus, não sopra.
Passando o prato já preenchido, pronto para apreciação. Debruçando-se sobre o recipiente consume quase todo o produto fazendo com que reclamasse:
- Ei fominha, vai comer tudo mesmo?
- Qual é? Hoje eu to precisando bem mais que você. Cara melhor que isso só cheiro de mulher nova.
- Falando em mulher, tenho que ir senão a Marta me mata.
- Pô cara, fica mais um minuto por favor.
- Foi mal, mas tenho que ir.
Levantando-se da mesa e dirigindo a porta quando para olha para trás mirando o amigo desolado.
- A propósito, feliz aniversário.
Baixando a cabeça ele soluça enquanto o amigo sai porta a fora.

Ciro Rafael, 28 de fevereiro de 2010.